quarta-feira, 7 de abril de 2010

NEM TUDO SÃO FLORES ou PÍLULAS DIFÍCEIS DE ENGOLIR


Faz tempo, eu sei. Faz tempo que não entro nessa casa. É que muitas vezes é impossível compreender o que os mortos querem dizer e a psicografia é uma das mais duras tarefas.

Um dia eu dei sorrisos sinceros. Um dia eu enchi meu peito de esperança. Um dia eu acreditei que faria a diferença. Um dia tive certeza que meu destino era grandioso. Ledo engano. Quando abri a porta e aquele majestoso cavalo me era presenteado, senti-me um rei. Quanta ilusão, garoto bobo. Era apenas o cavalo de Tróia, muito pior que qualquer ouro-de-tolo. Aquilo que eu perseguia tinha velocidade sônica. Eu, pobre caramujo, abro os olhos depois do armagedom. Esfrego meus vermelhos olhos, incomodado com o calor e a fumaça, confundindo odores de orégano, incenso e o perfume doce de uma matrona francesa. Sinto falta da carteira velha, do cigarro amassado dentro do bolso da calça, dos chopps, dos garçons que me atendiam... Sinto falta do tapinha nas costas, dos parabéns, dos elogios... Qual a vida que quis? O que sempre sonhei? Queria o prazer de jogar elifoot com meus primos, de dar velhas tacadas na sinuca com amigos que nem recordam meu nome... Levei um tiro do melhor amigo que tive em vida. Morri. Preciso de uma pausa pra vomitar. Minha respiração está se extinguindo. Colocaram tela no CFCH. Só mais um trago, eu prometo. Quem sabe assim consigo ver os furta-cores do bater de asas daquela larva morta que batizaste sutilmente – borboleta. Onde miras brisa, vejo teoria do caos. Ratos, dinheiro, políticas e puteiros, onde seminaristas questionam a semântica da homofobia e da pedofilia. Na outra mesa um juiz togado engole fezes, satisfazendo seus sujos prazeres escatológicos. No meio disso tudo uma criança perdida, apenas de meias vermelhas, chora, lambendo o catarro que insiste em escorrer. Entre drogas e masturbação sigo pelos corredores, com medo das balas perdidas que saem dos labirintos de um cérebro cada vez mais putrefato. Adiante, uma pichação de banheiro implora por ativos bem-dotados para preencher o rabo de uma bichinha sedenta de rola. Mais uma vez o cheiro de sexo incomoda os pelos do meu nariz. Enquanto isso, uma mensagem em meu celular me inquire – Onde anda o romantismo? Onde anda o amor? Morreu com Cazuza, talvez. A emoção acabou tal qual o amor. Amor com o qual e sem o qual a vida segue tal e qual. Virei terrorista. Queria uma bomba que paralisasse o tempo, queria uma língua universal, o fim das fronteiras... Eu queria. Queria um tempo verbal, um futuro seu mal e sem mau. Queria tudo igual, sem dúvida gramatical, onde o medo de estar, esta, está apenas no campo da imaginação. Imaginativos humanos, suas criações incríveis e pequenas criaturas. Smurfs e Snorkels conversam sobre socialismo no diretório acadêmico, enquanto isso na sala do colegiado o bruxo Gargamel pede ajuda ao Mestre dos Magos para que finalmente consiga comer a Smurfete. Eu, voyeur, observo tudo em cima do muro, como todos. Assistindo-me na televisão desligada, rindo para câmera e agradecendo pela segurança de uma morte filmada. Você, encantado com uma TV 3D, baba, orvalhando rosas, hortênsias e margaridas. Pra não dizer que não falei de flores.


"Queixo-me as rosas. Mas que bobagem. As rosas não falam."