segunda-feira, 31 de outubro de 2011

MEU NOME NÃO É WADE WALKER ou CRY BABY


Era uma vez...

Não!

Não posso começar a escrever com “once upon a time”. Muito embora James Joyce tenha escrito isso tempos atrás. Mas não sou nem nunca serei James Joyce.
Sou apenas o protagonista da triste figura, alguém do submundo marginal das letras e da vida também.
Sou só um cara. Um homem. Ou será que não?
Afinal... “homem não chora”.

Que bobagem!

Nada é tão infantil quanto partilhar desse conceito estúpido que durante séculos e séculos fora verdade absoluta. Ainda hoje encontramos portadores de falos congênitos se negando a exprimir seus sentimentos.
A fluidificação do seu espírito e a metamorfose dos seus sentimentos e emoções em lágrimas é sem sombra de dúvidas uma das coisas mais naturais entre os seres humanos.
Já eu... 

Eu???

Eu sou pedra!
Tento inutilmente mascarar meus sentimentos muitas vezes, sobretudo para que não me vejam sofrendo e com isso sofram comigo. Contudo, sou o amigo do ombro e das lágrimas sempre. Peno ao lado dos que amo, compartilhando suas dores e tentando extirpar o fardo de seus peitos.
Busco controlar minhas lágrimas, não por preconceitos, mas por outros motivos particulares. Chorar por tudo é coisa de “emotional hardcore”, os populares emos. Nunca me classificaria nesse tipo de identidade. Mas me identifico com o primeiro emo da história, Wade Walker.
Wade Waker, para os desavisados, é o personagem de Johnny Depp no antológico filme “Cry Baby”, uma comédia musical, sátira do filme Grease.
Waker, ou melhor, Cry Baby, como o personagem era chamado mais comumente, era o líder dos “quentes” (drapes), apaixonado pela “quadrada” (square) Allison Vernon-Williams e tinha como principal particularidade o fato de ter uma lágrima escorrendo pelo seu rosto em várias situações. Isso seria o oposto do esperado para o líder de uma turma de delinquentes juvenis da década de 1950.
Análises filmográficas a parte (embora eu adore esse filme), quero apenas deixar registrado que se fosse pra me definir como um personagem, eu seria o “Bebê chorão”, por deixar que as emoções façam parte da minha vida e senti-las com todas as intensidades necessárias.
Como um ser humano (a)normal que sou, deixo claro visíveis contradições em minhas mal-traçadas linhas. Mas isso... Isso é outra história. Algo pra outro “era uma vez”.

"Cry...baby cry...baby cry"

domingo, 16 de outubro de 2011

REFERENDO? ou O DIA QUE FOMOS EMBORA


Batista, Elyne, Raquel, Lucas, Castanha, Nilson e eu. (Glena atrás da câmera)

15 de outubro nunca será um dia qualquer para mim. O simples fato de ser o aniversário da mãe da minha mãe, ou seja, da melhor avó que qualquer ser humano poderia querer já serviria para ser um dia inesquecível. Contudo, em 2005, o dia 15 de outubro foi o dia que saí da casa dos meus pais e rumei junto à minha mulher para nossa primeira residência. Um apartamento pequeno que passamos bons momentos e outros que preferimos esquecer.
De fato, o que importa mesmo é o dia 15 de outubro de 2005, véspera do maledito referendo do desarmamento. “Se você é a favor que continue tudo como está – vote 1. Mas se você é a favor do desarmamento da população – vote 2.”

Como diria uma amiga minha (Rachel) – Han??? Comassim???

Tantas coisas para serem debatidas e... Faça-me o favor. 

Eu votei 9. 1 + 2 elevado ao quadrado. Em resumo: contra esse referendo.

Não obstante, o referendo também é só mais um detalhe, servindo para explicar os dedinhos na foto.

15 de outubro de 2005 é um dia para sentir saudades. Saudades dos tempos mais tranquilos, quando nossos amigos ainda dispunham de alguma atenção.
Lembrar de Lucas Plueg, hoje na Holanda, contando para os meninos (Nilson e Salviano) que: “Galera, a parada é séria, Rafael e Glena tão se mudando porque a Glena tá grávida.” Eu: “ Porra, Lucas! A gente ia esperar tá todo mundo junto pra contar.” Subitamente Nilson e Salviano sofreram o efeito Michael Jackson e empalideceram imediatamente. Não contemos o riso (Lucas e eu).

Não! 
Definitivamente minha mulher não estava grávida. Embora já estivéssemos casados há 4 meses.

Sempre me lembrarei do Saveiro branco de Lucas carregando nosso frigobar e nossa cama da casa dos meus pais para nosso pequeno cafofo. Era tudo muito próximo. Salviano e Nilson segurando o colchão na parte da carroceria, bem coisa de moleques.

Infelizmente Salviano “comemorava” o dia do professor ministrando suas aulas espetáculos e teve que se ausentar por volta das 13:30. Mas um amigo nunca sai. Ele fica vagando nas histórias. E naquele momento alguns dos nossos melhores amigos estavam presentes. 

Contudo, a cereja do bolo ainda não foi dita.

O dia 15 de outubro de 2005 foi o dia do casamento astral da minha digníssima, Glena Salgado Vieira, com a senhorita Elyne Gonçalves Veras, digníssima do meu xará, Rafael Batista. Ao longo daquele sábado, tal qual o de ontem, as duas conversaram por horas. E no fim do dia uma confirmação. 

Ah! Eu adorei ela. A gente falou tantas coisas.” – palavras da minha mulher.

Elyne e Batista foram os últimos a deixar nosso novo cafofo. E os que mais frequentaram ele depois daquele dia. Muitas vindas e muitas histórias.
Seis anos disso tudo.
Amigos são sempre amigos.
Todos iguais.
Mas uns mais iguais que os outros.

"Eu quero ter um milhão de amigos."

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A RUA DOS NOSSOS SONHOS ou OS MAIS PUROS DESBRAVADORES


Quantos podem dizer que batem no peito e exclamam – 
EU TIVE UMA INFÂNCIA MARAVILHOSA! - ? 

Eu posso!

Entre a Rua Eugênio Luciano de Melo, esquina com a Avenida Getúlio Vargas, em Bairro Novo, Olinda – PE, eu vivi os anos mais puros da minha vida.
Naquela rua horizontal, onde o arranha-céu era o meu prédio (térreo e primeiro andar), viviam os melhores e mais puros desbravadores do universo.

Sabe o que é poder falar em todos sem medo de esquecer um nome?

Eu sei!

Pra exemplificar falarei até das ligações sanguíneas, embora no fundo, todos éramos irmãos.
Crianças são apenas crianças. Elas não têm ideia da taxa de câmbio, quem é Nietzche, conceitos de capitalismo e diferenças psicanalíticas, nem que quem é você por dentro é o que menos importa.

No apartamento 102, primeiro andar, do único prédio daquela rua, moravam duas crianças com cinco anos de diferença em suas idades. Os irmãos Rafa e Cris.
Rafa, o um dia magrelo, outro o gordinho, é o pensador que vos escreve essa crônica com recheio de lembrança, mexendo com o dedo sujo de terra sua dose de memória de criança.

No apartamento 01, morava Ana Laura e seus cabelos cacheados. Era a outra criança do meu prédio. Descendo a rua, entrávamos na casa dos irmãos Ana e Júnior, que pra gente era Gérson Fernando do Rêgo Barro Terra Areia Júnior. 

A velha arquitetura de casas geminadas da aristocrática e bucólica Olinda nos presenteava com os irmãos Renné, Dóris e Victor, moradores da casa que ficava entre a de Júnior e a “casa do guarda” (um centro de vigilância inativo por longos anos), que por tantas vezes invadimos para viver épicas aventuras.

Do outro lado da rua, a gigantesca casa-escola-hotel que morou as irmãs Amanda, Adriana e Xanda (nunca Alexandra, Alessandra ou algo do gênero). Com um quintal tão imaginativo que os backyardigans sentiriam inveja da gente por toda a eternidade.

Do ladinho do hotel moravam os irmãos Nicole e Tiago e na casa seguinte o grande nipônico quartel general das “Veras”, Rita, Lia e Joana. Além, é óbvio, do líder de todos nós, o “grande” Chico (irmão paterno das Veras). Nunca morador, mas habitué da nossa rua, sempre com planos mirabolantes, tal qual um Cebolinha e seus planos infalíveis.

Muros? 
Subimos em vários.

Árvores? 
Era só alguém juntar as mãos e dar um calço e... pronto. Estávamos lá no alto, comendo jambos roxos, sujando nossas roupas e tatuando nossos joelhos e cotovelos com as cicatrizes mais audaciosas que poderíamos querer.

Inocentes brincadeiras de anel, esconde-esconde, as mais diferentes variedades de pega-pega, queimado, sete pecados (sempre me dava mal nessa),  além das modalidades esportivas, ululantemente.

Tínhamos bicicletas, bolas, uma pracinha enorme cheia de grama e areia e muita, muita ideia na cabeça.

Quando os vídeos-games como Atari e Master System chegaram, raramente eles ganhavam pra nossas disputas de canastra, banco imobiliário, war ou... “Nome, lugar, objeto”.

Algo agora me inquieta - Quantos desenhos e quadros pintamos? 

Com gessos quebrados e pedaços de tijolos, riscávamos chãos, criando amarelinhas e demarcando nossos territórios.
Territórios sem fronteiras para preconceitos. Não existia brincadeira de menino e brincadeira de menina. Era só brincadeira, tal qual polícia e ladrão. Elástico e pular corda eram apenas isso. Um elástico das costuras da mãe, ou uma corda qualquer e logo nossa brincadeira estava garantida para tarde toda.

Vejam! Não me referi as nossas músicas, nem sequer falei dos desenhos infantis que assistíamos ou dos clássicos da sessão da tarde. Acho que vale lembrar-se de quando nos trancávamos pra ver as fitas cassetes locadas pelos pais dos “Queiroz Cavalcanti”. 

Cortinas fechadas, ar-condicionado ligado, e várias crianças e seus olhos brilhantes se encantando com as maravilhas da sétima arte.

E como sempre o tempo passa. 

As meninas virando moças e as diferenças de idade iam se tornando aparente. 

Nossos objetivos iam se distanciando.

Vieram as mudanças.

Desde nossos pensamentos às mudanças espaciais. 

As irmãs Amanda, Adriana e Xanda foram as primeiras a se mudar do nosso bairro, Ana Laura foi em seguida e em 14 de março de 1992, minha irmã e eu também deixaríamos a rua dos nossos sonhos.

Com certeza o mais difícil foi o dia que recebemos uma notícia que dói ainda hoje em todos nós e faz as lágrimas que escorrem em meu rosto neste momento atrapalharem a minha visão.

A visão que também não foi possível para um motorista que em alta velocidade tirou do nosso convívio nossa amiga Nicole Raia de Oliveira Pinto. Ela era só uma garota, e acima disso, ela era nossa amiga, nossa irmã.

Foi justamente sua passagem que nos reuniu depois de tanto tempo. Aqueles abraços eram de saudade e dor. Nossos sorrisos estavam molhados por saber que um de nós não brincaria com a gente no dia seguinte.

Enfim, crescemos.

Mas, no fundo das nossas lembranças estamos todos juntos.

Feliz dia das crianças, meus amigos. Porque fomos crianças felizes.


Em memória da minha amiga Nicole, como diria minha mãe, Nico-nico.


"Somos amigos, amigos do peito"

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

MONÓLOGO DE UMA SOMBRA ou EU? SERIA AUGUSTO DOS ANJOS


“Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras...
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!

A simbiose das coisas me equilibra.
Em minha ignota mônada, ampla, vibra
A alma dos movimentos rotatórios...
E é de mim que decorrem, simultâneas,
A saúde das forças subterrâneas
E a morbidez dos seres ilusórios!

Pairando acima dos mundanos tetos,
Não conheço o acidente da Senectus
-- Esta universitária sanguessuga
Que produz, sem dispêndio algum de vírus,
O amarelecimento do papirus
E a miséria anatômica da ruga!

Na existência social, possuo uma arma
-- O metafisicismo de Abidarma --
E trago, sem bramânicas tesouras,
Como um dorso de azêmola passiva,
A solidariedade subjetiva
De todas as espécies sofredoras.

Como um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo à Natureza Humana.
A podridão me serve de Evangelho...
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!

Tal qual quem para o próprio túmulo olha,
Amarguradamente se me antolha,
À luz do americano plenilúnio,
Na alma crepuscular de minha raça
Como uma vocação para a Desgraça
E um tropismo ancestral para o Infortúnio.

Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias,
Trazendo no deserto das idéias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!

Quis compreender, quebrando estéreis normas,
A vida fenomênica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem.
E apenas encontrou na idéia gasta,
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!

E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,
Sobre a esteira sarcófaga das pestes
A mosrtrar, já nos últimos momentos,
Como quem se submete a uma charqueada,
Ao clarão tropical da luz danada,
O espólio dos seus dedos peçonhentos.

Tal a finalidade dos estames!
Mas ele viverá, rotos os liames
Dessa estranguladora lei que aperta
Todos os agregados perecíveis,
Nas eterizações indefiníveis
Da energia intra-atômica liberta!

Será calor, causa ubíqua de gozo,
Raio X, magnetismo misterioso,
Quimiotaxia, ondulação aérea,
Fonte de repulsões e de prazeres,
Sonoridade potencial dos seres,
Estrangulada dentro da matéria!

E o que ele foi: clavículas, abdômen,
O coração, a boca, em síntese, o Homem,
-- Engrenagem de vísceras vulgares --
Os dedos carregados de peçonha,
Tudo coube na lógica medonha
Dos apodrecimentos musculares.

A desarrumação dos intestinos
Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos
Dentro daquela massa que o húmus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadelas que as dentuças trincam
No espasmo fisiológico da fome.

É uma trágica festa emocionante!
A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece...
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.

E foi então para isto que esse doudo
Estragou o vibrátil plasma todo,
À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...
Num suicídio graduado, consumir-se,
E após tantas vigílias, reduzir-se
À herança miserável dos micróbios!

Estoutro agora é o sátiro peralta
Que o sensualismo sodomita exalta,
Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo...
Como que, em suas clélulas vilíssimas,
Há estratificações requintadíssimas
De uma animalidade sem castigo.

Brancas bacantes bêbadas o beijam.
Suas artérias hírcicas latejam,
Sentindo o odor das carnações abstêmias,
E à noite, vai gozar, ébrio de vício,
No sombrio bazer domeretrício,
O cuspo afrodisíaco das fêmeas.

No horror de sua anômala nevrose,
Toda a sensualidade da simbiose,
Uivando, à noite, em lúbricos arroubos,
Como no babilônico sansara,
Lembra a fome incoercível que escancara
A mucosa carnívora dos lobos.

Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.
Negra paixão congênita, bastarda,
Do seu zooplasma ofídico resulta...
E explode, igual à luz que o ar acomete,
Com a veemência mavórtica do aríete
E os arremessos de uma catapulta.

Mas muitas vezes, quando a noite avança,
Hirto, observa através a tênue trança
Dos filamentos fluídicos de um halo
A destra descarnada de um duende,
Que tateando nas tênebras, se estende
Dentro da noite má, para agarrá-lo!

Cresce-lhe a intracefálica tortura,
E de su’alma na caverna escura,
Fazendo ultra-epiléticos esforços,
Acorda, com os candeeiros apagados,
Numa coreografia de danados,
A família alarmada dos remorsos.

É o despertar de um povo subterrâneo!
É a fauna cavernícola do crânio
-- Macbeths da patológica vigília,
Mostrando, em rembrandtescas telas várias,
As incestuosidades sangüinárias
Que ele tem praticado na família.

As alucinações tácteis pululam.
Sente que megatérios o estrangulam...
A asa negra das moscas o horroriza;
E autopsiando a amaríssima existência
Encontra um cancro assíduo na consciência
E três manchas de sangue na camisa!

Míngua-se o combustível da lanterna
E a consciência do sátiro se inferna,
Reconhecendo, bêbedo de sono,
Na própria ânsia dionísica do gozo,
Essa necessidade de horroroso,
Que é talvez propriedade do carbono!

Ah! Dentro de toda a alma existe a prova
De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca...
Assim também, observa a ciência crua,
Dentro da elipse ignívoma da lua
A realidade de uma esfera opaca.
Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressãoda dor estética
Consiste essencialmente na alegria.

Continua o martírio das criaturas:
-- O homicídio nas vielas mais escuras,
-- O ferido que a hostil gleba atra escarva,
-- O último solilóquio dos suicidas --
E eu sinto a dor de todas essas vidas
Em minha vida anônima de larva!”

Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,
Da luz da lua aos pálidos venábulos,
Na ânsa de um nervosíssimo entusiasmo,
Julgava ouvir monótonas corujas,
Executando, entre daveiras sujas,
A orquestra arrepiadora do sarcasmo!

Era a elegia panteísta do Universo,
Na produção do sangue humano imenso,
Prostituído talvez, em suas bases...
Era a canção da Natureza exausta,
Chorando e rindo na ironia infausta
Da incoerência infernal daquelas frases.

E o turbilhão de tais fonemas acres
Trovejando grandíloquos massacres,
Há-de ferir-me as auditivas portas,
até que minha efêmera cabeça,
Reverta à quietação datrava espessa
E à palidez das fotosferas mortas!"

"Meteram poesia na bagunça do dia-a-dia"

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

AS ESPERTEZAS DE JOÃO GRILO E OS LESOS DE TAPEROÁ ou TODA CIÊNCIA É FRUTO DA NECESSIDADE

Livre interferência em formato de cordel na obra clássica “O auto da Compadecida”, do escritor paraibano Ariano Suassuna. Neste cordel utilizam-se todas as licenças poéticas cabíveis e em nenhum momento intenta-se descontextualizar a peça original, servindo apenas como uma releitura da obra, criando outra a partir de uma já existente.

Na vida do mais pobre
O que conta é a esperteza
Tudo se dá um jeito
Pra comida por na mesa

Seja ludibriar o sagrado
Que de sacro é o mais profano
Dando sempre seu jeitinho
De levar por baixo dos pano

Uma defunta cachorra
Da cachorra do padeiro
Vira do Major Antonio Morais
Dos mais poderosos o primeiro

Abençoa a coitadinha
Ela é nobre de coração
Seguia romaria de fiéis
Deixando pro padre em testamento
Dez conto de réis

Sua alma encomendada
Deve ser em latim
Em meio a tanta zoada
Até o bispo fez pantim
Mas com a renda partilhada
Tudo ficou certim

Sem seu bichinho preferido
Dorinha era só alarido
E pra acalmar seu coração
João Grilo muito arteiro
Ofereceu para madame
Um gato que descome dinheiro

Fez do furo do gatinho
Um porco de cofrinho
Findada três moedas
Se deu a confusão
E do desgraçado do gato
Não saía nem mais um tostão

Como um bom malazarte
Um amarelo alcoviteiro
João elaborou uma tramóia
Pra mais uma gaia do padeiro

Com mais chifres na cabeça
Que estrelas têm no céu
Fez o padeiro agradecer
Por livrar-se do papel
De homem enganado
Por ser apaixonado
De uma fêmea de bordel

João parceiro inteligente
Do apaixonado Chicó
Matutou uma idéia
Pra botar de uma vez só
A fugir sem os chinelo
Os valentes da cidade
Num desafio de truelo

Gastada essa valentia
Chicó se assumiria
Como o covarde-mór
Senão fosse uma bexiga de sangue
E uma peixeirada só
E uma gaita ressussitadeira
Pra tudo ficar mió

O chefe dos cangaceiros
Matador de devoção
Levaria tiro certeiro
No meio do coração
Só pra ver Padim Ciço
Conduzindo a procissão

Mas a gaita era comum
O capitão que fora leso
Dos mortos era só um
E João Grilo sobrevivente
Pulava alegremente
“Que trouxa... Peguei mais um”

"Quando eu nasci era um dia amarelo/ já fui pedindo chinelo, rede, café, caramelo"