Depois de um dia
bastante difícil, problemas no trabalho, discussão com chefe, um final de
semana que brigara com meu pai, minha mãe e todos que sempre me foram os mais
caros, resolvi caminhar sem destino.
Sentei num banquinho à
beira-mar, algo que não fazia desde tempos de garoto ingênuo que contemplava a
natureza. Passei minhas mãos da nuca aos cabelos, pelo rosto, e, enfim olhei a
imensidão oceânica, senti o vento no rosto, tentei acender um cigarro, e após muito esforço consegui. Timidamente
comecei a balbuciar algumas palavras, e de um momento a outro comecei a lutar
com as lágrimas que teimavam em embaçar minha visão.
Humanamente, quando
vemos alguém sofrendo queremos oferecer nosso ombro, mesmo correndo o risco de
levar um fora ou algo parecido.
Um senhor, lembrando
muito o meu avô, se aproximou de mim e disse que me ouviu perguntando a Deus,
ou sabe-se lá quem, o porquê das coisas que te aconteciam se você fez tudo tão
direitinho a vida toda. Que quando criança e adolescente era todo certinho, você
só buscou estudar, conhecer, que era diferente de todos que conhecia.
Sem nenhuma timidez ele
me perguntou:
– O que o conhecimento
trouxe pra você?
Não quis ser rude,
mesmo querendo ficar a sós com meus pensamentos, respondi:
– Muita coisa. Conheço
desde humanas a exatas, busco entender o mundo e as pessoas. Embora admito,
engatinho na campo dos conhecimentos.
Meu inquisidor retrucou
com uma pergunta mais simples ainda:
– Você é feliz?
(Que pergunta era
essa?)
Pensei, pensei, pensei
e disse que só os ignorantes são felizes e infelizmente eu não caminho de
braços dados com a prole.
Mais uma vez ele me
perguntou:
– Se você pudesse saber
a verdade sobre todas as coisas e todas as pessoas você iria querer?
Falei como um garoto
que acabara de ouvir do pai numa loja de brinquedos “escolha o que quiser”:
– COM CERTEZA! Quem não
gostaria de ser onisciente?
Então, ele me disse:
– Meu caro, todo bônus
tem um ônus. Everybody lies. Todo
mundo mente. É a mentira que faz o universo fluir naturalmente. Como seria a
sua vida se descobrisse que todos que dizem que te amam escondem coisas que
acabaria com seus sentimentos mais nobres e puros? E se de repente você
descobre que a morte é o fim, que não existe reencarnação, não tem nenhum
paraíso, que histórias sobre fé, religião é tudo besteira?
Neste ponto comecei a
me incomodar com a ideia. Mas a sede não passava. Defendia plenamente o desejo
de saber mais e mais.
Ele fez uma pausa,
respirou fundo e disse:
– Garoto, você é
idiota? Você imagina o tamanho da dor que você está dizendo que quer sentir?
Quer uma prova? Se eu te dissesse que sua primeira namorada é minha neta e que
num dia de muita magia, você preparou uma noite inesquecível para a primeira
vez de vocês. Mas e se eu te dissesse que não era a primeira vez dela, que ela
amou outro antes de você, e poucos meses antes era ele quem estava na mente
dela, e que possivelmente você foi a forma dela esquecê-lo, você iria querer
saber?
Eu tossindo muito, querendo
vomitar, puxando ar não sei de onde, mundo girando, coração altamente
disparado. Lágrimas saltando dos olhos. Em meio a dor e raiva, bradei:
– Então eu devo aceitar
que todos me fazem de idiota, que me contam mentiras, que minha felicidade é
ilusão, que sou apenas mais um perdido na imensidão?
– Calma, garoto, eu nem
disse nada. Nem neta eu tenho, mas se essa fosse a verdade veja o mal que isso
ia te causar. Veja a dor. Talvez perca o sono, talvez perca a fome, talvez você
perca você. Há sete bilhões de pessoas no mundo, a grande maioria delas tem fé,
imagine como seria solitário só você ter certeza que Deus não existe e que uma
simples bala tiraria sua vida e seus órgãos começariam a apodrecer e você
viraria adubo. Sem céu, sem paraíso, sem 70 virgens, sem nirvana, nem a
escuridão existe, não existe nada, assim como você. Você seria tal qual a
barata esmagada por um chinelo sujo. Você está percebendo? Como você iria
conseguir viver sua vida sabendo que todos que você ama te escondem alguma
coisa, que toda sua felicidade pode ser uma ilusão e o pior é que quando você
morrer acabou? Tem certeza que quer que Deus responda a todos os seus
questionamentos? Mas se Deus não existe, não responde nada, então, cometer ou
não o suicídio? Viver é um jogo de azar, você pode quebrar a banca ou quebrar a
cara, a decisão é sua.
Totalmente destruído por
dentro e já em prantos tentei falar em soluços:
– Estou morto, não
tenho chão, tudo é cinzento, tenho medo. Sou apenas um garoto assustado, covarde.
Aquele que era a última opção, seja nas
aulas de educação física, seja como amigo, seja como amor.
– E então, você
gostaria de saber isso? Que seus amigos tinham amigos que preferiam a você? Que
seus amores amaram mais e melhor que você? Todo mundo mente e mesmo assim você
quer saber toda a verdade. É um caminho sem volta. Não tem volta. É só
tormento. A frase é sua, não minha, “só os ignorantes são felizes”.
– Então como vou
saber...?
– Desculpe, meu jovem,
já interrompi seu cigarro e falei várias coisas me intrometendo, na sua vida. Mas,
pela sua idade, posso te fazer uma pergunta, você conhece Sandman?
– Conheço.
– Então, você deve
saber que Sandman ou Morpheus pensava muito depressivamente. Ele foi até ao
inferno recuperar algo que era seu. Envolveu-se em muitos problemas até ter sua
alma posta em xeque, entrando numa disputa com Coronzon, Excelso Duque do
Oitavo Círculo, Capitão das Hordas de sua Alteza Belzebu. Numa luta sem armas,
apenas palavras, mas de vida ou morte. É a mesma luta que você trava agora.
Enquanto Coronzon - “Sou um lobo horrendo, um predador letal a espreita de sua presa”.
Morpheus - “Sou
um caçador a cavalo, ataco o lobo com uma lança”.
Coronzon - “Sou
uma mosca que pica o cavalo e derruba o caçador”.
Morpheus - “Sou
uma aranha de oito patas devorando a mosca”.
Coronzon - “Sou
uma cobra venenosa devorando a aranha”.
Morpheus - “Sou
um búfalo de patas pesadas esmagando a cobra”.
Coronzon - “Sou
o antraz, a bactéria carniceira, devorando a vida”.
Morpheus - “Sou
um mundo flutuando no espaço, nutrindo a vida”.
Coronzon - “Sou
uma nova explodindo, cremando planetas”.
Morpheus - “Sou
o Universo, abrangendo todas as coisas, abraçando toda a vida”.
Coronzon - “Sou
a antivida, a besta do julgamento, sou a escuridão no fim de tudo, o fim de
universos, deuses, mundos, de tudo. Ssss. E agora, Lorde dos Sonhos, o que você
é?”.
– Sabe filho, se você fosse meu neto, era isso
que eu diria pra você. Não queira saber tudo. Viver é incerteza. Mas se você
viver com medo você nunca viverá de verdade. Não estou dizendo pra você confiar
plenamente nas pessoas. É natural não querer ser magoado. Seria perfeito se tudo
fosse perfeito, mas isso é totalmente redundante. Muitas vezes não perdemos as
pessoas, as pessoas são quem nos perde. Mas precisamos viver. E por mais que a
gente tenha medo de tudo, precisamos continuar vivos. Coronzon é a escuridão no fim de tudo, o fim de
universos, deuses, mundos, de tudo. Ele é o conhecimento evitável. Lembra o que
Morpheus falou pra ganhar, não é? Ela é a resposta. O que Morpheus disse?
Ele disse: -
“SOU A ESPERANÇA”.
"Se eu me sentir sozinho ou sair do caminho. E a dor vier de noite me assustar"