Quis competir com as águas de Poseidon.
Tolo, idiota, mais uma vez humilhantemente perdi.
Não sem lutar. Lutei bravamente. Chorei as dores de outras
encarnações.
Não eram apenas as minhas lágrimas que caiam. Eram as de
Richard Blaine, de Otelo, de Hamlet, de Romeu, de Höderlin, de Werther... de
todos.
Após ter sido acusado de todas as torturas possíveis, como
Alexander DeLarge ou simplesmente Alex, fui forçado oniricamente a assistir
todas as dores causadas por minhas atitudes e todas as dores as quais fui
acometido.
Não era o tratamento Ludovico, era pior.
Os rostos que incriminavam, incitavam meu suicídio.
Com tom de desprezo, diziam: “Se mata! Vai! Se mata logo!”.
Como um oráculo, uma voz veio proferir: “Todos que você ama
vão te trair. E você vai ferir todos que você ama. Nunca mais você terá paz.
Pois, agora que já sabe, a insegurança tomará conta de seus dias. Você viverá
com medo, sem saber o momento certo que os castelos de cartas cairão. Pois eles
cairão.”.
Após mais uma noite em claro, ou perdido em sonhos lúcidos,
levanto.
Ainda de olhos marejados e inchados pelo copioso choro, sou
convocado pelo jovem Höderlin para um
diálogo sobre Susette, seu grande e
impossível amor, musa inspiradora de Diotima,
protagonista do seu romance Hyperion.
Ele me contara que Susette era casada
com o banqueiro de Frankfurt, Jacó
Gontard, seu aluno particular.
E como em todos os amores impossíveis, eles pararam de se
ver e Höderlin cada vez mais se entregava a loucura. Susette morre dois anos
após o último encontro de ambos. Höderlin tinha 32 anos. Já aos 35 ele tem sua
insanidade diagnosticada. E por 36 anos, no alto de uma torre, às margens do
rio Neckar, e longe do convívio social, Höderlin viveu interno até sua morte.
Vendo minha tristeza, o virginiano nascido num quatro de
setembro, Antonin Artaud, tenta me
consolar, levantando questionamentos e filosofando à lá Teatro da Crueldade. Ele olhou-me nos olhos e disse:
“E
o que é um louco?
É
um homem que preferiu ficar louco, no sentido socialmente aceito, em vez de
trair uma determinada ideia superior de honra humana.
Assim,
a sociedade mandou estrangular nos seus manicômios todos àqueles dos quais
queria desembaraçar-se ou defender-se, porque se recusaram a serem cúmplices em
algumas sujeiras.
Pois
o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido de enunciar
certas verdades intoleráveis.
Nesse caso, a reclusão não é a única arma e a
conspiração dos homens tem outros meios para triunfar sobre as vontades que
deseja esmagar.”
Na prisão sem grades vejo todas as vontades esmagadas, as certezas
aniquiladas.
Um astro cai e o desejo some.
O pedido não veio à mente.
Malditos astros!!!
Tornam-nos lunáticos.
Nunca esperam o momento certo.
O resto vira sagrado, segredo. Uma lembrança lambida das
putas tristes de Gabriel. Uma invenção, uma mentira de Manoel. Um devaneio, uma
loucura de Rafael.
"Deixa eu chorar até cansar"