quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A RUA DOS NOSSOS SONHOS ou OS MAIS PUROS DESBRAVADORES


Quantos podem dizer que batem no peito e exclamam – 
EU TIVE UMA INFÂNCIA MARAVILHOSA! - ? 

Eu posso!

Entre a Rua Eugênio Luciano de Melo, esquina com a Avenida Getúlio Vargas, em Bairro Novo, Olinda – PE, eu vivi os anos mais puros da minha vida.
Naquela rua horizontal, onde o arranha-céu era o meu prédio (térreo e primeiro andar), viviam os melhores e mais puros desbravadores do universo.

Sabe o que é poder falar em todos sem medo de esquecer um nome?

Eu sei!

Pra exemplificar falarei até das ligações sanguíneas, embora no fundo, todos éramos irmãos.
Crianças são apenas crianças. Elas não têm ideia da taxa de câmbio, quem é Nietzche, conceitos de capitalismo e diferenças psicanalíticas, nem que quem é você por dentro é o que menos importa.

No apartamento 102, primeiro andar, do único prédio daquela rua, moravam duas crianças com cinco anos de diferença em suas idades. Os irmãos Rafa e Cris.
Rafa, o um dia magrelo, outro o gordinho, é o pensador que vos escreve essa crônica com recheio de lembrança, mexendo com o dedo sujo de terra sua dose de memória de criança.

No apartamento 01, morava Ana Laura e seus cabelos cacheados. Era a outra criança do meu prédio. Descendo a rua, entrávamos na casa dos irmãos Ana e Júnior, que pra gente era Gérson Fernando do Rêgo Barro Terra Areia Júnior. 

A velha arquitetura de casas geminadas da aristocrática e bucólica Olinda nos presenteava com os irmãos Renné, Dóris e Victor, moradores da casa que ficava entre a de Júnior e a “casa do guarda” (um centro de vigilância inativo por longos anos), que por tantas vezes invadimos para viver épicas aventuras.

Do outro lado da rua, a gigantesca casa-escola-hotel que morou as irmãs Amanda, Adriana e Xanda (nunca Alexandra, Alessandra ou algo do gênero). Com um quintal tão imaginativo que os backyardigans sentiriam inveja da gente por toda a eternidade.

Do ladinho do hotel moravam os irmãos Nicole e Tiago e na casa seguinte o grande nipônico quartel general das “Veras”, Rita, Lia e Joana. Além, é óbvio, do líder de todos nós, o “grande” Chico (irmão paterno das Veras). Nunca morador, mas habitué da nossa rua, sempre com planos mirabolantes, tal qual um Cebolinha e seus planos infalíveis.

Muros? 
Subimos em vários.

Árvores? 
Era só alguém juntar as mãos e dar um calço e... pronto. Estávamos lá no alto, comendo jambos roxos, sujando nossas roupas e tatuando nossos joelhos e cotovelos com as cicatrizes mais audaciosas que poderíamos querer.

Inocentes brincadeiras de anel, esconde-esconde, as mais diferentes variedades de pega-pega, queimado, sete pecados (sempre me dava mal nessa),  além das modalidades esportivas, ululantemente.

Tínhamos bicicletas, bolas, uma pracinha enorme cheia de grama e areia e muita, muita ideia na cabeça.

Quando os vídeos-games como Atari e Master System chegaram, raramente eles ganhavam pra nossas disputas de canastra, banco imobiliário, war ou... “Nome, lugar, objeto”.

Algo agora me inquieta - Quantos desenhos e quadros pintamos? 

Com gessos quebrados e pedaços de tijolos, riscávamos chãos, criando amarelinhas e demarcando nossos territórios.
Territórios sem fronteiras para preconceitos. Não existia brincadeira de menino e brincadeira de menina. Era só brincadeira, tal qual polícia e ladrão. Elástico e pular corda eram apenas isso. Um elástico das costuras da mãe, ou uma corda qualquer e logo nossa brincadeira estava garantida para tarde toda.

Vejam! Não me referi as nossas músicas, nem sequer falei dos desenhos infantis que assistíamos ou dos clássicos da sessão da tarde. Acho que vale lembrar-se de quando nos trancávamos pra ver as fitas cassetes locadas pelos pais dos “Queiroz Cavalcanti”. 

Cortinas fechadas, ar-condicionado ligado, e várias crianças e seus olhos brilhantes se encantando com as maravilhas da sétima arte.

E como sempre o tempo passa. 

As meninas virando moças e as diferenças de idade iam se tornando aparente. 

Nossos objetivos iam se distanciando.

Vieram as mudanças.

Desde nossos pensamentos às mudanças espaciais. 

As irmãs Amanda, Adriana e Xanda foram as primeiras a se mudar do nosso bairro, Ana Laura foi em seguida e em 14 de março de 1992, minha irmã e eu também deixaríamos a rua dos nossos sonhos.

Com certeza o mais difícil foi o dia que recebemos uma notícia que dói ainda hoje em todos nós e faz as lágrimas que escorrem em meu rosto neste momento atrapalharem a minha visão.

A visão que também não foi possível para um motorista que em alta velocidade tirou do nosso convívio nossa amiga Nicole Raia de Oliveira Pinto. Ela era só uma garota, e acima disso, ela era nossa amiga, nossa irmã.

Foi justamente sua passagem que nos reuniu depois de tanto tempo. Aqueles abraços eram de saudade e dor. Nossos sorrisos estavam molhados por saber que um de nós não brincaria com a gente no dia seguinte.

Enfim, crescemos.

Mas, no fundo das nossas lembranças estamos todos juntos.

Feliz dia das crianças, meus amigos. Porque fomos crianças felizes.


Em memória da minha amiga Nicole, como diria minha mãe, Nico-nico.


"Somos amigos, amigos do peito"

5 comentários:

Glena disse...

Adorei! Lindo meu amor! Isso me leva as minhas lembranças de infância, as brincadeiras as pessoas que passaram pela minha vida.

ceça disse...

Que lindo Rafa!acabei como você com os olhos cheios de lágrimas e o pensamento mergulhados em lembranças.

zhubenedicty disse...

Muito colorido, sutil, intenso, que céus, q felicidades, oba!!!!!!, abs.

Pensamentes Esparsas disse...

Todos, penso, tivemos uma rua dos sonhos. Todos fomos e ainda somos crianças; o que mudam são nossos brinquedos. A época da infância é o ensaio geral para a grande peça da vida, que, por vezes, não admite erros na fala e nos gestos. E por falar em gestos, obrigado pelo seu: hoje você inventou a máquina do tempo e nos deu o privilégio de viajarmos para um tempo delicioso. Valeu, Rafa!

AMARela Cavalcanti disse...

não sei pq me lembrei de uma poesia de guilherme de almeida, chamada "A rua das rimas"!