Quantos podem dizer que batem no peito e exclamam –
EU TIVE
UMA INFÂNCIA MARAVILHOSA! - ?
Eu posso!
Entre a Rua Eugênio Luciano de Melo, esquina com a Avenida
Getúlio Vargas, em Bairro Novo, Olinda – PE, eu vivi os anos mais puros da
minha vida.
Naquela rua horizontal, onde o arranha-céu era o meu prédio
(térreo e primeiro andar), viviam os melhores e mais puros desbravadores do
universo.
Sabe o que é poder falar em todos sem medo de esquecer um
nome?
Eu sei!
Pra exemplificar falarei até das ligações sanguíneas, embora
no fundo, todos éramos irmãos.
Crianças são apenas crianças. Elas não têm ideia da taxa de
câmbio, quem é Nietzche, conceitos de capitalismo e diferenças psicanalíticas, nem
que quem é você por dentro é o que menos importa.
No apartamento 102, primeiro andar, do único prédio daquela
rua, moravam duas crianças com cinco anos de diferença em suas idades. Os irmãos
Rafa e Cris.
Rafa, o um dia magrelo, outro o gordinho, é o pensador que vos
escreve essa crônica com recheio de lembrança, mexendo com o dedo sujo de terra
sua dose de memória de criança.
No apartamento 01, morava Ana Laura e seus cabelos
cacheados. Era a outra criança do meu prédio. Descendo a rua, entrávamos na
casa dos irmãos Ana e Júnior, que pra gente era Gérson Fernando do Rêgo Barro
Terra Areia Júnior.
A velha arquitetura de casas geminadas da aristocrática e
bucólica Olinda nos presenteava com os irmãos Renné, Dóris e Victor, moradores
da casa que ficava entre a de Júnior e a “casa do guarda” (um centro de
vigilância inativo por longos anos), que por tantas vezes invadimos para viver
épicas aventuras.
Do outro lado da rua, a gigantesca casa-escola-hotel que
morou as irmãs Amanda, Adriana e Xanda (nunca Alexandra, Alessandra ou algo do
gênero). Com um quintal tão imaginativo que os backyardigans sentiriam inveja
da gente por toda a eternidade.
Do ladinho do hotel moravam os irmãos Nicole e Tiago e na
casa seguinte o grande nipônico quartel general das “Veras”, Rita, Lia e Joana.
Além, é óbvio, do líder de todos nós, o “grande” Chico (irmão paterno das
Veras). Nunca morador, mas habitué da
nossa rua, sempre com planos mirabolantes, tal qual um Cebolinha e seus planos
infalíveis.
Muros?
Subimos em vários.
Árvores?
Era só alguém juntar as mãos e dar um calço e...
pronto. Estávamos lá no alto, comendo jambos roxos, sujando nossas roupas e
tatuando nossos joelhos e cotovelos com as cicatrizes mais audaciosas que poderíamos
querer.
Inocentes brincadeiras de anel, esconde-esconde, as mais diferentes
variedades de pega-pega, queimado, sete pecados (sempre me dava mal nessa), além das modalidades esportivas,
ululantemente.
Tínhamos bicicletas, bolas, uma pracinha enorme cheia de
grama e areia e muita, muita ideia na cabeça.
Quando os vídeos-games como Atari e Master System
chegaram, raramente eles ganhavam pra nossas disputas de canastra, banco
imobiliário, war ou... “Nome, lugar, objeto”.
Algo agora me
inquieta - Quantos desenhos e quadros pintamos?
Com gessos quebrados e pedaços de tijolos, riscávamos chãos,
criando amarelinhas e demarcando nossos territórios.
Territórios sem fronteiras para preconceitos. Não existia
brincadeira de menino e brincadeira de menina. Era só brincadeira, tal qual
polícia e ladrão. Elástico e pular corda eram apenas isso. Um elástico das
costuras da mãe, ou uma corda qualquer e logo nossa brincadeira estava
garantida para tarde toda.
Vejam! Não me referi as nossas músicas, nem sequer falei dos desenhos infantis que
assistíamos ou dos clássicos da sessão da tarde. Acho que vale lembrar-se de
quando nos trancávamos pra ver as fitas cassetes locadas pelos pais dos “Queiroz
Cavalcanti”.
Cortinas fechadas, ar-condicionado ligado, e várias crianças
e seus olhos brilhantes se encantando com as maravilhas da sétima arte.
E como sempre o tempo passa.
As meninas virando moças e as
diferenças de idade iam se tornando aparente.
Nossos objetivos iam se
distanciando.
Vieram as mudanças.
Desde nossos pensamentos às mudanças espaciais.
As irmãs Amanda,
Adriana e Xanda foram as primeiras a se mudar do nosso bairro, Ana Laura foi em
seguida e em 14 de março de 1992, minha irmã e eu também deixaríamos a rua dos nossos sonhos.
Com certeza o mais difícil foi o dia que recebemos uma
notícia que dói ainda hoje em todos nós e faz as lágrimas que escorrem em meu
rosto neste momento atrapalharem a minha visão.
A visão que também não foi possível para um motorista que
em alta velocidade tirou do nosso convívio nossa amiga Nicole Raia de Oliveira
Pinto. Ela era só uma garota, e acima disso, ela era nossa amiga, nossa irmã.
Foi justamente sua passagem que nos reuniu depois de tanto
tempo. Aqueles abraços eram de saudade e dor. Nossos sorrisos estavam molhados
por saber que um de nós não brincaria com a gente no dia seguinte.
Enfim, crescemos.
Mas, no fundo das nossas lembranças estamos todos juntos.
Feliz dia das crianças, meus amigos. Porque fomos crianças
felizes.
Em memória da minha amiga Nicole, como diria minha mãe,
Nico-nico.
"Somos amigos, amigos do peito"
5 comentários:
Adorei! Lindo meu amor! Isso me leva as minhas lembranças de infância, as brincadeiras as pessoas que passaram pela minha vida.
Que lindo Rafa!acabei como você com os olhos cheios de lágrimas e o pensamento mergulhados em lembranças.
Muito colorido, sutil, intenso, que céus, q felicidades, oba!!!!!!, abs.
Todos, penso, tivemos uma rua dos sonhos. Todos fomos e ainda somos crianças; o que mudam são nossos brinquedos. A época da infância é o ensaio geral para a grande peça da vida, que, por vezes, não admite erros na fala e nos gestos. E por falar em gestos, obrigado pelo seu: hoje você inventou a máquina do tempo e nos deu o privilégio de viajarmos para um tempo delicioso. Valeu, Rafa!
não sei pq me lembrei de uma poesia de guilherme de almeida, chamada "A rua das rimas"!
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