quarta-feira, 24 de setembro de 2008

PRIMEIRA HISTÓRIA DE RAQUEL ou A MENINA E O CALANGO


Como sempre distraída, eu contemplava a fumaça que vinha em minha direção. Seu cheiro forte revelava que mais que a boa e simples nicotina estavam naquela composição. Nada mais natural, eu não devia me espantar com isso, haja vista eu estar numa calourada no curso de História da Universidade Federal de Pernambuco.

Foi lá que tudo aconteceu. Aquele era "o" dia. O meu dia. Que dia!

Entre batuques soltos e danças psicodélicas, inúmeras pessoas passavam a minha frente, nenhuma me surpreendia, nenhuma me encantava. Tudo era bastante natural e corriqueiro. Eu estava cansada daquilo tudo. Sete anos daquela coisa. Nada era novidade. As mesmas músicas, os mesmos sons, as mesmas viagens, os mesmos calouros, afinal, calouro é sempre calouro. Eu também era sempre a mesma. Sandália rasteira de couro, saia de tecido leve amassadinho, camisa branca, feita artesanalmente, comprado lá no Alto da Sé de Olinda, assim como meus brincos, colares e pulseiras. Eu... uma típica aluna do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE. Mas algo em mim atrai a atenção do sexo oposto. De surfistas a políticos, todos viram os olhos em direção ao meu magnetismo.

Repentinamente, enquanto eu divagava serelepe sobre o tempo, um cheiro forte perturba meu sentido olfativo... Sou abruptamente agarrada. Um hippie sujo me puxa pela cintura fazendo-me rodopiar.

A minha primeira reação foi a de me afastar daquela figura.


"Sai pra lá menino! Oxe! Tem cada uma! Sai pra lá, atabacado!"


Depois de xingá-lo me virei e continuei a prestigiar o balé da fumaça proveniente da massa tipicamente pernambucana. E... Mais uma vez sou puxada. O hippie novamente dá uma investida em mim, aparentemente tentando me beijar... foi aí que...


"Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar"


Na cabeça do hippie estava ele... Billy (identidade verdadeira ocultada). Olhos verdes como seu corpo dividido - cabeça, tronco, membros e seu enorme rabo.

Ao me ver, Billy ficou nervoso, seu pescoço fazia sua cabeça virar ora pra esquerda, ora pra direita. Aquela habilidade fez meu coração acelerar e um voluptuoso suspiro saiu do meus secos lábios. Olhei fixamente para seus olhos enquanto suas pupilas dilatavam incessantemente (como a da maioria dos calouros). Então... Me declarei...


- Billy, agora eu entendo porque frequento essas calouradas chatas há 7 anos. Eu estava a sua espera. Preciso de você. Dê-me um sinal que esse sentimento é mútuo.


Infelizmente, Billy balançava a cabeça negativamente. Eu quis chorar e disparei para ele o maior dos meus questionamentos:


- COMO ASSIM?


Isso não tinha explicação. Foi aí que percebi que Billy era fiel ao seu dono. Billy, como um bom aluno de Artes Plásticas, era gay. Eu não merecia isso. Ambos foram embora. No meu peito ficou uma profunda dor e na minha mente a lembrança do suave balançar da cabecinha de Billy - O calango na cabeça do hippie.



"Quem um dia irá dizer que existe razão pras coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?"

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